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Em março de 2023, durante a 43ª sessão do Comitê Permanente de Direito Autoral e Direitos Conexos da Organização Mundial da Propriedade Intelectual (SCCR/43), foi discutida e aprovada a Proposta de análise dos direitos autorais no ambiente digital (SCCR/43/7) apresentada pelo Grupo de Países da América Latina e do Caribe (GRULAC). A proposta sugere a inclusão da remuneração de pessoas autoras, artistas, intérpretes ou executantes no ambiente digital como um ponto independente na Ordem do Dia do Comitê Permanente de Direito Autoral e Direitos Conexos, ordenando à Secretaria da OMPI que formule propostas, buscando soluções eficazes e justas. Como consequência disso, a agenda das próximas sessões do SCCR da OMPI incluirá dois pontos diretamente ligados aos direitos humanos (direitos culturais): as exceções e limitações ao direito autoral e o direito a uma remuneração justa e equitativa.

As organizações integrantes da Aliança da Sociedade Civil Latino-Americana para o Acesso Justo ao Conhecimento reconhecem a atual situação de desproteção de pessoas autoras, artistas, intérpretes e executantes em relação aos grandes detentores de direitos autorais e solidarizam-se com eles. Compreendemos que, embora a análise dessa desproteção costume focar na economia digital marcada por grandes plataformas de serviços digitais, todos os fatores da cadeia que geram um grave problema de justiça distributiva deveriam ser analisados. Neste documento, apresentamos alguns pontos que devem ser considerados ao formular propostas regulatórias.

Para abordar a discussão apresentada, é importante destacar que os direitos culturais, consagrados na carta de direitos humanos, têm duas faces. Por um lado, consagram-se os direitos à participação na vida cultural e ao benefício da ciência e da riqueza do patrimônio cultural da humanidade, muitas vezes relacionados ao trabalho de bibliotecas, arquivos e museus. Por outro lado, o direito à proteção dos interesses morais e materiais das pessoas criadoras para que aqueles que dedicam suas vidas ao desenvolvimento de expressões culturais possam fazê-lo de maneira sustentável.

A cultura é um pilar do desenvolvimento sustentável dos países. Como afirmado pelo Comitê de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais da ONU, “reflete e molda os valores do bem-estar e da vida econômica, social e política dos indivíduos, grupos e comunidades”. Decisões que permitam equilibrar as relações de poder no setor cultural serão fundamentais para a existência de expressões culturais diversas, que, além de terem impactos econômicos, têm impactos sociais profundos.

De acordo com o Global Music Report 2023 da IFPI, durante o ano de 2022, todos os mercados latino-americanos experimentaram um crescimento de dois dígitos e, mais uma vez, dominaram as receitas de streaming, representando 85,2% do mercado latino-americano. No entanto, pessoas autoras e artistas afirmam que as receitas que recebem não correspondem ao volume, apesar do contínuo crescimento nas assinaturas.

O estudo sobre artistas no mercado da música digital (SCCR/41/3) analisa os diferentes sistemas de pagamento e estruturas de royalties, expressando que “nenhum deles leva em consideração o aumento na valorização da empresa graças a artistas, intérpretes ou executantes, que transformam os serviços de transmissão contínua em operações multimilionárias, enquanto se pagam frações de centavos por download aos principais artistas, intérpretes ou executantes e nada aos menos conhecidos.”

O ponto 7 da proposta apresentada pelo GRULAC (SCCR/43/7) afirma que pessoas autoras, artistas, intérpretes ou executantes “não podem negociar diretamente com provedores de serviços digitais globais (‘DSPs’, sigla em inglês), porque seus direitos são transferidos sistematicamente para produtores.” Dessa forma, são reivindicados mecanismos de apoio para obter remunerações adequadas, justas e equitativas, a fim de evitar serem obrigados a “aceitar a oferta dos produtores, assinando verdadeiros contratos de adesão, que, em muitos casos, exacerbam as relações, beneficiando os agregadores de conteúdo ou outros intermediários, mas não os titulares de direitos.”

Em última análise, expressa-se a necessidade de estabelecer um quadro jurídico global que contenha algum mecanismo permitindo que pessoas autoras, artistas intérpretes ou executantes aproveitem efetivamente seu direito exclusivo de disponibilização para negociar com os provedores de serviços digitais comerciais globais e, assim, obter uma remuneração justa e equitativa. Vale ressaltar que o problema abordado pela proposta não se apresenta exclusivamente diante das plataformas provedoras de serviços digitais comerciais globais, mas decorre de relações contratuais assimétricas com diferentes intermediários, onde pessoas autoras, intérpretes e executantes perdem sua agência. Estamos diante de um problema contratual, portanto, qualquer mecanismo de remuneração justa e equitativa proposto também deveria envolver a revisão das regulamentações contratuais sobre direitos autorais e conexos.

O setor de música em streaming experimentou um crescimento exponencial nos últimos 20 anos, com destaque para grandes plataformas digitais multinacionais que compartilham catálogos em constante expansão. O aumento do consumo de conteúdos culturais de forma digital cresceu ainda mais durante a pandemia. Em 2021, o streaming representou 65% do total de receitas globais de música gravada (US$ 16,9 milhões), com 109,5 milhões de novos usuários, totalizando 523,9 milhões de assinaturas em todo o mundo.

O relatório Revenue distribution and transformation in the music streaming value chain, publicado pela UNESCO em dezembro de 2022, alerta sobre desequilíbrios nos modelos de remuneração, afetando especialmente artistas e compositores, que ganham três vezes menos nos serviços de assinatura em comparação com os ganhos gerados por apresentações musicais ao vivo. Afirma também que apenas uma pequena porcentagem de artistas pode considerar o streaming uma fonte importante de receita. Por exemplo, no caso do Spotify, apenas 52.600 dos 11 milhões de criadores em sua plataforma haviam gerado mais de US$ 10.000 em royalties até o final de 2021.

A UNESCO também expressa preocupação com o crescente desequilíbrio entre os altos ganhos das plataformas de streaming, grandes gravadoras e distribuidores, e as baixas cifras distribuídas entre criadores e selos independentes. Em linha com os apelos aos Estados para ações conjuntas contra a precarização dos trabalhadores do setor criativo global, a UNESCO insta os Estados a encontrarem maneiras de promover um ambiente de trabalho mais justo e sustentável para artistas, considerando a previsão de que os direitos autorais propostos pelas grandes plataformas atinjam um mínimo histórico para o ciclo de 2023-2027.

As possibilidades de negociação para pessoas criadoras neste ambiente são muito limitadas. Na indústria musical, três grandes gravadoras controlam quase 70% do mercado global e aproximadamente 60% dos direitos autorais das músicas. Essas enormes reservas de direitos lhes conferem controle sobre o futuro da música e as condições aceitas pelas pessoas criadoras. 

No que diz respeito ao streaming, atualmente, quatro plataformas detêm 70% das assinaturas em todo o mundo. Como mencionado anteriormente, essa é a principal forma de consumo de música na atualidade, e, consequentemente, se as pessoas autoras, artistas, intérpretes e executantes desejam ampliar as possibilidades de alcançar mais audiências, são compelidos a disponibilizar seus conteúdos nas principais plataformas.

Sendo um mercado pouco competitivo, por um lado, são gerados usuários cativos, e, por outro lado, aqueles que criam os conteúdos são obrigados a aceitar condições desfavoráveis. As plataformas e intermediários que controlam a titularidade dos direitos sobre as obras podem estabelecer as condições porque possuem grande poder de negociação: são os únicos aos quais se pode recorrer para alcançar a audiência desejada.

O streaming reconfigurou o setor e, embora o modelo corporativo concentrado em monopólios não seja novo, a maneira como as plataformas conseguiram capitalizar as pessoas usuárias levou-as a impor condições àqueles que as utilizam. Artistas da música, youtubers e outras pessoas criadoras sofrem as consequências de um sistema que captura e monetiza o valor produzido por pessoas trabalhadoras. 

Essas plataformas que dominam o mercado são principalmente de países do Norte, onde salários, tarifas e acesso à segurança social estão mais garantidos para as pessoas que criam esses conteúdos. Na América Latina e, em geral, no Sul Global, a falta de garantias para o exercício da criatividade é uma constante. Desenvolver mecanismos que permitam equilibrar as assimetrias na distribuição dos lucros pode ajudar a melhorar essa situação, permitindo que as pessoas autoras, artistas, intérpretes e executantes estejam menos vulneráveis às condições do mercado e possam continuar no exercício da criação de expressões culturais diversas.

O direito de disponibilização é conhecido como a “solução guarda-chuva” criada no âmbito dos Tratados de Internet da OMPI (1996) com o objetivo de resolver as discussões sobre qual seria a melhor forma de regular transmissões digitais sob demanda e interativas de obras e outros conteúdos protegidos em ambientes digitais. Tanto o Tratado da OMPI sobre Direitos Autorais (WCT) quanto o Tratado da OMPI sobre Interpretação ou Execução e Fonogramas (WPPT) conferem o direito exclusivo às pessoas autoras, artistas, intérpretes ou executantes para autorizar a comunicação ao público, incluindo a disponibilização pública de suas obras ou fonogramas por meios com fio ou sem fio, de modo que os membros do público possam acessar essas obras do local e no momento que escolherem.

Isso abrange os atos de oferecer ao público uma obra ou fixação para sua difusão em fluxo (streaming), acesso simples (por exemplo, por meio de links ou hiperlinks comuns, links incorporados e frames) ou download individualizado (por exemplo, por meio de links P2P). A legalidade ou ilegalidade desse tipo de atividade dependerá de vários fatores, sendo crucial entender qual é a vontade da pessoa autora ou titular em relação ao contexto e às condições em que o conteúdo é publicado na internet. Vale a pena lembrar que o Equador é o único país da América Latina que, de forma expressa, estabelece uma exceção ao direito autoral que abrange os hiperlinks (art. 212, Núm. 24, do Código Ingenios).

Os direitos de autor e os direitos conexos concedem direitos exclusivos, ou seja, a exclusividade de autorizar o uso das obras. No entanto, muitas vezes, tratados internacionais e regionais, assim como leis nacionais, também conferem outros tipos de direitos, chamados direitos de remuneração. Embora não haja consenso quanto à sua definição legal, podemos dizer que nos referimos a direitos de remuneração quando é proporcionada aos titulares de direitos autorais ou conexos a possibilidade de exigir uma remuneração independentemente da capacidade de autorizar ou proibir o uso de obras ou fixações.

Autores como Geiger e Bulayenko (2021) mencionam alguns contextos nos quais esses direitos de remuneração se manifestam, por exemplo: 

Caso 1: Direitos de remuneração “standalone” (em vez de direitos exclusivos). No Artigo 11(2) do Tratado de Pequim, encontramos um exemplo. Este artigo prevê a opção de os Estados Partes concederem, em vez de direitos exclusivos, um direito de remuneração equitativa a intérpretes e executantes pela utilização direta ou indireta para radiodifusão ou comunicação ao público das interpretações ou execuções gravadas em fixações audiovisuais. 

Caso 2: Direitos de remuneração que se sobrepõem ou coexistem com os direitos exclusivos. Nesse caso, fala-se de direitos residuais e geralmente ocorre quando há algum problema de justiça distributiva, por exemplo, quando existe assimetria no poder de negociação dos contratos. Em algumas legislações nacionais e regionais, concede-se às pessoas autoras, ou titulares de direitos conexos, um direito de remuneração equitativa sobre os mesmos tipos de usos já abrangidos por seus direitos exclusivos. Esse direito de remuneração só poderá ser exercido depois que o intermediário (a quem foram cedidos os direitos exclusivos) autorizar terceiros a usar obras e fixações. 

Caso 3: Direitos de remuneração como limitação aos direitos exclusivos. Nesse caso, estamos lidando com licenças obrigatórias ou compulsórias, nas quais a lei retira das pessoas criadoras o direito exclusivo sobre determinado uso, mas mantém a possibilidade de obter uma remuneração equitativa. Por exemplo, em países que estabelecem a remuneração por cópia privada paga.

Embora a proposta apresentada pelo GRULAC não peça a análise de uma solução específica, no seu ponto 8, expressa-se a necessidade de contar com um mecanismo que coloque as pessoas autoras, artistas, intérpretes ou executantes “em pé de igualdade formal para uma equidade material, de tal maneira que lhes permita negociar diretamente, inclusive com os provedores de serviços digitais globais, ou, quando apropriado, obter uma remuneração justa pelo uso ou exploração de suas interpretações ou execuções musicais, remuneração que não pode ser revogada por contratos”. Note-se que aqui é identificado um problema de justiça distributiva e sugere-se estabelecer direitos de remuneração que coexistam com os direitos exclusivos (cedidos a intermediários por contrato), conforme discutido no caso 2 do ponto anterior. Além disso, sugere-se que esses direitos de remuneração devem ser irrenunciáveis (não revogáveis por contrato).


Dessa forma, a proposta apresentada pelo GRULAC sugere analisar a possibilidade de estabelecer, na normativa internacional, direitos de remuneração justa, equitativa, obrigatória e irrenunciável pela disponibilização de obras e fixações na internet, a serem exercidos especificamente em relação aos provedores globais de serviços digitais comerciais.

Em países onde estão sendo estudadas propostas legislativas que incluem direitos de remuneração justa e equitativa por atos de disponibilização na internet (como é o caso do Brasil, Uruguai e África do Sul, por exemplo), as empresas de streaming ou provedores de serviços digitais têm adotado posturas extremas, ameaçando se retirar dos países ou aumentar as tarifas de seus serviços. As plataformas alertaram os governos de que, do ponto de vista delas, o estabelecimento de direitos de remuneração seria uma duplicação do pagamento de royalties que já realizam. A Aliança discorda desse argumento. Essas propostas legislativas têm como objetivo resolver assimetrias relacionadas ao poder de negociação e ao nível de informação no momento da contratação, estabelecendo um mecanismo legal que garanta que pessoas autoras, artistas, intérpretes ou executantes recebam sua justa remuneração, uma vez que as condições para uma negociação justa não estão presentes atualmente.

Dito isso, os membros da Aliança também estão particularmente preocupados com o impacto desnecessário e desproporcional sobre outros direitos fundamentais que podem surgir com a criação de novos mecanismos legais. Entendemos que é necessário alertar sobre as distorções e efeitos colaterais que um direito de remuneração obrigatória, formulado sem uma delimitação adequada, pode gerar no ecossistema de acesso à cultura e ao conhecimento na internet. Portanto, antecipamos a necessidade de realizar uma análise de impacto dessa medida em outros direitos fundamentais e a seguir mencionamos alguns dos aspectos que deveriam ser considerados.

A inclusão de mecanismos de remuneração com um alcance geral ou indefinido iria muito além do objetivo declarado no documento apresentado pelo GRULAC de fornecer ferramentas de negociação efetiva para pessoas autoras, intérpretes e executantes em relação aos provedores de serviços digitais globais. A falta de definições e limites tornaria esse um mecanismo desproporcional que não consideraria adequadamente outros direitos. Além disso, geraria uma ampla insegurança jurídica em todo o ecossistema digital, já que qualquer link, transmissão ou frame estaria potencialmente sujeito a remuneração. Por essas razões, são necessárias as seguintes definições e limites.

Quanto ao alcance da proposta do GRULAC (SCCR/43/7), embora seja apresentada como uma proposta que abrange pessoas autoras, intérpretes, artistas e executantes sem distinção, sua justificativa inclui apenas dados e problemas enfrentados pela indústria musical. Será necessário aprofundar mais sobre que tipos de estudos serão solicitados à Secretaria da OMPI, considerando que cada setor autoral terá problemas distintos no ambiente digital.

A criação de novos direitos de remuneração deve ter um alcance restrito. Deve-se evitar a criação de um direito de remuneração na internet para todo e qualquer uso. Devemos lembrar que quem realiza o ato de disponibilização de uma obra ou fixação pode ser tanto o Spotify ou Netflix quanto um professor dando aulas pelo Zoom ou analisando um trecho de vídeo em seu canal no YouTube. Se esse aspecto não for considerado, distorções e efeitos colaterais seriam gerados em todo o ecossistema de acesso à cultura e conhecimento na internet. 

Se a proposta se justifica pela falta de remuneração justa e equitativa em relação às grandes plataformas, deve-se especificar que essa remuneração será exigível contra “provedores de serviços digitais comerciais globais” e definir esse conceito de maneira precisa. 

Não deveria ser estabelecido um direito de remuneração sobre qualquer ato de disponibilização na internet. Qualquer solução de remuneração proposta deveria excluir expressamente os atos de disponibilização sem ônus. Destacamos especialmente o impacto que os direitos de remuneração poderiam ter em pequenas plataformas, como plataformas educativas, repositórios educativos e científicos, bibliotecas digitais e até mesmo em sites não comerciais. Abaixo, apresentamos alguns exemplos ilustrativos:

  • Uma pessoa docente deseja mostrar um vídeo do YouTube em uma aula online ao vivo.
  • Um repositório cria um diretório com links do tipo frames (embutidos) com diferentes conteúdos audiovisuais publicados no YouTube.
  • A biblioteca de uma escola de música disponibiliza suas coleções de vídeos e faixas de áudio digital para consulta pelos alunos dentro da rede interna de sua instituição.

Todos esses exemplos constituem atos de disponibilização sem fins lucrativos e de interesse público que podem incluir obras ou interpretações, mas não deveriam ser abrangidos por um possível direito de remuneração obrigatória. Na verdade, as leis de direitos autorais da maioria dos países do Sul Global já enfrentam um sério problema de falta de exceções em favor das atividades desenvolvidas em bibliotecas, arquivos, instituições educacionais e de pesquisa. É essencial evitar que qualquer solução proposta agrave essa situação, adicionando novos riscos de reivindicações a essas instituições quando realizam atividades em contextos digitais, como plataformas de aulas online, repositórios educativos e científicos ou bibliotecas digitais.

O estabelecimento de direitos de remuneração obrigatória e irrenunciável anula a aplicação daquelas licenças livres que autorizam usos com fins lucrativos, ignorando a vontade de milhares de  pessoas criadoras que disponibilizam seus conteúdos para uso livre e gratuito. Em qualquer solução proposta, os atos de disponibilização de obras ou fixações publicadas com licenças livres deveriam ser expressamente excluídos.

O estabelecimento desses direitos de remuneração obrigatória não deveria abranger os conteúdos criados por pessoas usuárias de redes sociais e, em geral, a disponibilização de obras e fixações criadas sem fins comerciais. Quando isso acontece, são criados incentivos para a censura e controle de conteúdos por parte das grandes plataformas, afetando a liberdade de expressão na internet.

Dado que a justificativa da proposta se concentra na precária situação das pessoas autoras, intérpretes e executantes, e levando em consideração que o estabelecimento de mecanismos de remuneração obrigatória na internet representa um risco potencial para a liberdade de expressão e o acesso à cultura, apenas as pessoas criadoras (pessoas físicas) deveriam ser as beneficiárias de qualquer solução proposta.

Como já mencionado, o problema que se busca resolver reside nas relações contratuais assimétricas existentes, principalmente, na indústria da música. Portanto, deveriam ser estudados os mecanismos mais adequados para enfrentar o problema identificado, e a conclusão não necessariamente levaria à criação de um novo direito de remuneração, mas certamente estabeleceria medidas para lidar com a assimetria nas relações contratuais.

Há um sério problema de falta de transparência e equilíbrio nos contratos assinados por pessoas autoras, artistas, intérpretes e executantes, que não têm informações suficientes sobre a possível exploração (como a obra pode ser utilizada), a exploração real (como a obra é utilizada e com que resultado comercial) e a remuneração correspondente à exploração. As informações necessárias para garantir a transparência estão disponíveis para empresas editoriais e produtoras, mas não são compartilhadas com as pessoas autoras, artistas, intérpretes e executantes.

Ao contrário do que ocorre em outros lugares do mundo, a maioria das pessoas autoras, artistas, intérpretes e executantes latino-americanos também não têm o direito de solicitar a revisão ou até mesmo a rescisão do contrato no caso de a remuneração inicialmente acordada ser desproporcional em relação aos rendimentos e benefícios correspondentes derivados da efetiva exploração da obra (a possibilidade de revisão é conhecida como a “cláusula best seller“).

Por último, qualquer solução, inclusive aquela que estabeleça direitos de remuneração, deverá ser acompanhada por normas de transparência e revisão de contratos, além de explorar opções de pagamento direto às pessoas autoras, artistas, intérpretes e executantes, algo que a tecnologia permite em muitos casos.

A criação de novos direitos de remuneração justa e equitativa pela disponibilização de obras e fixações na internet implica a formulação de uma solução legal que proteja as pessoas autoras, artistas, intérpretes e executantes quando não há condições para uma negociação justa. 

A remuneração obrigatória por atos de disponibilização na internet, se formulada de maneira muito ampla, tem o potencial para eliminar tudo em seu caminho, incluindo licenças livres, plataformas educativas e repositórios digitais: o próprio uso da internet está em jogo. Portanto, se forem tomadas decisões no sentido de explorar esse mecanismo, ele deve ser enquadrado de maneira detalhada e clara, levando em consideração o interesse público e as particularidades dos países do Sul Global. Deve ser um mecanismo proporcional, equilibrando os diferentes direitos em jogo. 

Qualquer sistema de remuneração justa e equitativa, obrigatória ou não, deve ser acompanhado de normas de transparência e prestação de contas nos contratos, que acompanhem e consolidem um sistema de distribuição para evitar as assimetrias de poder e informação que causam a perda de poder de negociação de pessoas autoras e artistas. 

Para isso, uma vez definido o alcance específico dos estudos solicitados sobre remuneração justa e equitativa, deve-se considerar a realização de estudos econômicos, análises de casos, levantamento de direito comparado, bem como a análise de opções de pagamento direto a pessoas autoras, artistas, intérpretes e executantes. Além disso, destacamos que, em todos os casos, deve-se incluir uma análise de impacto normativo sobre outros direitos fundamentais. Dessa forma, decisões baseadas em evidências empíricas podem ser tomadas. 


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